quarta-feira, 16 de junho de 2010

Mercedita

Tomamos por vezes tradições emprestadas,
visto que somos um povo de muitas misturas
é fácil entender os versos "pampeiros" de Maria Augusta, a nossa Guta:

"Era sempre a mesma melodia
Uma milonga vivida
Rendida pelo abraço nos braços do acordeón
Com um gosto assim carmim na boca de conhaque
E aquele cheiro de riso sem fim

O veludo vermelho já velho e cansado
Escutava como em confidência à meia luz esfumaçada
as glórias dos bravos
as derrotas dos desamados
E uma gente que era só do mundo, e mais ninguém
Ciganeava vida adentro, e cantava noite afora

Palmas que, resignadas, seguiam os tacos da marcação do violeiro
Palomas e viagens voavam na cabeça daqueles tantos pobres homens
Que já rodavam o salão com Mercedita, sempre bem vinda
E tudo era um sonho doce no meio daquele canto triste de mundo

Lá na mesa dos fundos como em meio a um encantamento
A Morocha mais guapa de toda a cercania
Escondia seus ares feiticeiros
Numa mantilha de franjas longas e negras
E como que deslizando por sobre o calor da saudade dos tempos idos
Desnudava seu colo a cada ventada do abanico rendado
Mirava a todos e a nenhum
E ardiam em chamas as entranhas dos estranhos

E seguia tudo assim
Um amor de passagem, entre uma milonga e um trago
Até que entrava madrugada
Carregando os forasteiros para a estrada
Pra buscar parada n’algum campo de horizonte largo
E fazer morada breve num lugar desse mundo triste sem fim"