quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pecado

Era dia
E o teu amor a me iluminar
Eu dormia
Sem hora pra acordar
Prazer é despertar com teu sorriso
Me oferecendo a boca
Pronta pra eu beijar

Era noite
E o teu amor a me aquecer
Eu resistia
Sem hora pra adormecer
Prazer é encostar no teu corpo
Te oferecendo um abraço
Pronta pra abrir os braços
Pra neles te acarinhar

E amanhece
E anoitece
Vem a madrugada
Nossa cama bagunça
No lençol emaranhado
Teu travesseiro atravessado
Meu cabelo despenteado
Vestidos: só de pecado!

O lado errado do rosto

Era para ser um filme comum, num dia comum... Mas uma frase, lá no meio do que ainda não me emocionava, já que o enredo era simples, sem complexidade, despertou um sentimento novo, diferente em mim. - “Porque você está chorando? - Eu não estou chorando, só estou sorrindo com o lado errado do rosto!”

Depois de ouvir esse diálogo entre os personagens perguntei a mim mesma: quantas vezes sorrimos com o lado errado do rosto? Difícil precisar...Isso de dizer "sorri com o lado errado do rosto" me fez pensar que as coisas porque passamos, sejam boas ou más, só dependem de como as enfrentamos. Nossas dores podem, e penso que devem, ser exorcizadas, mas ao invés de dizermos que sofremos muito com aquele ou este problema, porque apenas não admitimos que é o nosso lado errado do rosto que insiste em sorrir. Ou quem sabe se dissermos que os olhos, na parte errada do rosto, sorriram um sorriso choroso.

É só mesmo um ponto de vista, e que ponto de vista! O que para uns é melâncolia, para outros é saudade, o que para uns é agonia, para outros ansiedade, o que é desejo, pode ser apenas vontade. É simplesmente o lado errado de nós sorrindo para a vida.

Descobri que quero sorrir assim, sem medo, todos os dias, um sorriso choroso, sempre do lado errado do rosto. O lado que não tem simetria, o lado onde gosto de ser beijada, o lado direito da minha vida à esquerda, o lado que não é obscuro nem explícito, o lado de lá, de lá onde a distância entre a lágrima que cai e a boca que a apara, é infinitamente pequena...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pão de mel

O meu neguinho é doce
Como um pão de mel
E samba bem miudinho
Que é de tirar o chapéu

O meu neguinho sabe que lhe quero bem
Me acorda com os versos do Cartola
E às vezes do Jorge Ben

O meu neguinho é cheio de bossa
Faz graça, faz fita, me abraça, me atiça
E me beija apressado
Com acordes ritmados que invadem meu coração...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Samba de uma noite só

Ele olhou pra ela
Ela nem lhe viu
Como um mestre sala, fez mil piruetas
E lhe deu passagem quase em referência
Ela fez descaso, mas o coração tremeu
E errou o passo ensaiado por dias
na quadra da escola vazia
Ele então pensou: Vou ganhar à morena...
Ela deu de ombros
E do coitado deu pena
Mas ele insistiu e ela logo sorriu
Os dois se olharam
Algo enfim se deu
Da cadência ao fato
Do aconchego ao abraço
Do cheiro no pescoço, enfim o beijo
Mas não é que a danada da morena
Cheia de cena
Tinha um outro alguém
Este apareceu
E ela, do seu mestre sala,
assim... esqueceu
Esqueceu do beijo, do abraço, do fato
A cadência perdeu o ritmo
O aconchego deu em “chega pra lá”
E tinha cheiro de briga no ar
Ele conta que a história virou samba
Samba de uma noite só
Diz que um samba assim
Tem começo, meio e fim
Toca uma vez só e de uma só vez
Pra não dar vexame no salão
E arranjar outra dona pro seu coração...

Pingando versos

Não olho, espio
Espio a vida
Como quem dela não pede, deseja
Espio o amor
Como quem dele não pulsa, incendeia
Espio da janela
Como quem deseja a vida e incendeia o amor
Não mordo, eu provo
Provo o tempo
Como quem dele não teme, apenas enfrenta
Provo a amizade
Como quem dela nada espera, apenas aceita
Provo da chuva
Como quem dela não se deixa molhar,
apenas pingar...
E espio da janela a vida e o amor,
pois provo do tempo, da amizade, da chuva a pingar...
Não olho, espio
E pingo... pingo versos no papel branco vazio.

Mercedita

Tomamos por vezes tradições emprestadas,
visto que somos um povo de muitas misturas
é fácil entender os versos "pampeiros" de Maria Augusta, a nossa Guta:

"Era sempre a mesma melodia
Uma milonga vivida
Rendida pelo abraço nos braços do acordeón
Com um gosto assim carmim na boca de conhaque
E aquele cheiro de riso sem fim

O veludo vermelho já velho e cansado
Escutava como em confidência à meia luz esfumaçada
as glórias dos bravos
as derrotas dos desamados
E uma gente que era só do mundo, e mais ninguém
Ciganeava vida adentro, e cantava noite afora

Palmas que, resignadas, seguiam os tacos da marcação do violeiro
Palomas e viagens voavam na cabeça daqueles tantos pobres homens
Que já rodavam o salão com Mercedita, sempre bem vinda
E tudo era um sonho doce no meio daquele canto triste de mundo

Lá na mesa dos fundos como em meio a um encantamento
A Morocha mais guapa de toda a cercania
Escondia seus ares feiticeiros
Numa mantilha de franjas longas e negras
E como que deslizando por sobre o calor da saudade dos tempos idos
Desnudava seu colo a cada ventada do abanico rendado
Mirava a todos e a nenhum
E ardiam em chamas as entranhas dos estranhos

E seguia tudo assim
Um amor de passagem, entre uma milonga e um trago
Até que entrava madrugada
Carregando os forasteiros para a estrada
Pra buscar parada n’algum campo de horizonte largo
E fazer morada breve num lugar desse mundo triste sem fim"